Semelhança física entre acusado e o filler
Para que o Estado possa imputar alguém a prática de uma infração penal, de forma segura, faz-se necessário uma série de procedimentos para qualificar e identificar o indivíduo que recai a suspeita de um crime. Com efeito, os atos em referência não se confundem, pois qualificar diz respeito a indicar nome, endereço, trabalho, dentre outros elementos congêneres, enquanto identificar significa tornar algo ou alguém único.
O Estado apenas torna alguém único quando lança mão de diligências que assegurem a existência de uma determinada pessoa e suas individualidades.
No Código de Processo Penal, temos o artigo 6º, incisos VI e VIII, que dizem respeito ao reconhecimento de pessoas e coisas e a identificação por processo datiloscópico, esse designado para colher as digitais de uma pessoa sujeita a ação inquisitiva e repressiva da Polícia Judiciária, que, por força do princípio da não autoincriminação, não pode obrigar o indivíduo a ceder suas impressões digitais, mas poderá fazer a coleta em vestígios ou achados que, já descartados, deixem esse rastro.
Indo ao ponto do tema de hoje, temos o reconhecimento de pessoas, que há certo tempo vem sendo reinterpretado pelas Cortes Superiores, para conferir maior confiança nesse meio de obtenção de prova, que diga-se de passagem, em certos casos é de valor probatório duvidoso (tal como um reconhecimento de alguém com capacete e em local escuro).
Devemos recordar que o procedimento para o ato implica necessariamente o seguinte ritual: (i) caso tenha sido usado o reconhecimento fotográfico, ele deverá ser preliminar ao reconhecimento pessoal; (ii) a pessoa que deve reconhecer deverá ser intimada para comparecer; (iii) a pessoa que será identificada deverá ser colocada junto de outras pessoas semelhantes para que seja reconhecida; (iv) em caso de temor, a autoridade deve providenciar para que o reconhecido e quem reconhece não se veja; (v) tudo será lavrado em auto pormenorizado.
Na prática forense, os fillers são escolhidos de forma aleatória, não guardando semelhança com a pessoa reconhecida, em verdadeira contramão do que determina a lei. Por mais que haja um esforço teórico para validar esses atos, o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, entendeu que:
O procedimento de reconhecimento de pessoas, para sua validade, deve assegurar a semelhança física entre o suspeito e os demais indivíduos apresentados, conforme estabelece o art. 226, II, do CPP, evitando-se sugestões que possam influenciar a decisão da testemunha e comprometer o reconhecimento (STJ. 5ª Turma. AREsp 2.408.401-PA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 2/4/2024 [Info 806]).
Portanto, no caso de reconhecimento de pessoas, sob o rito do art. 226, do Código de Processo Penal, deve o Juiz ou autoridade policial garantir que o filler seja semelhante a pessoa reconhecida, sob pena de nulidade do ato processual.
Advertimos que apenas a nulidade do reconhecimento não traz absolvição, principalmente se outras provas demonstram que o indivíduo realmente cometeu um crime. Contudo, se apenas o reconhecimento foi base da condenação, esta deve ser desfeita e a pessoa absolvida.
Pedro Ernesto Raeli Filho
Advogado Criminalista
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